Acorrentados
Paulo Mendes Campos
Quem coleciona selos para o filho do amigo;
quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si
mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava;
quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e
filho;
quem segura sem
temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia;
quem se detém no
caminho para ver melhor a flor silvestre;
quem se ri das
próprias rugas;
quem decide
aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso sentimental;
quem procura na cidade os traços da cidade que passou;
quem se deixa
tocar pelo símbolo da porta fechada;
quem costura
roupa para os lázaros;
quem envia
bonecas às filhas dos lázaros;
quem diz a uma
visita pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira;
quem manda
livros aos presidiários;
quem se comove
ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a
fera do colégio;
quem escolhe na
venda verdura fresca para o canário;
quem se lembra
todos os dias do amigo morto;
quem jamais negligencia os ritos da amizade;
quem guarda, se
lhe deram de presente, o isqueiro que não mais funciona;
quem, não tendo o hábito de beber, liga o telefone
internacional no segundo uísque a fim de conversar com amigo ou amiga;
quem coleciona
pedras, garrafas e galhos ressequidos;
quem passa mais
de dez minutos a fazer mágicas para as crianças;
quem guarda as
cartas do noivado com uma fita;
quem sabe construir uma boa fogueira;
quem entra em delicado transe diante dos velhos
troncos, dos musgos e dos liquens;
quem procura decifrar no desenho da madeira o
hieróglifo da existência;
quem não se
acanha de achar o pôr-do-sol uma perfeição;
quem se desata em sorriso à visão de uma cascata ;
quem leva a
sério os transatlânticos que passam;
quem visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou
infeliz;
quem de repente
liberta os pássaros do viveiro;
quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o
motivo;
quem julga
adivinhar o pensamento do cavalo;
todos eles são presidiários da ternura e andarão por
toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre.
.........pois sou um acorrentado, graças a Deus.
anjo só
Anjo, li várias vezes ..é tão bonito!
ResponderExcluirSó um Anjo posta um texto desse...
"Presidiários da ternura", pensei bem depois de ler e me sinto assim: "acorrentada", pois me preocupo com o próximo, com os pequenos*. Me identifiquei contigo, isso é inexplicável.
Gosto da simplicidade; trabalho com crianças carentes aqui no Morro do Alemão e choro à noite, por saber q a maioria dorme de barriga vazia, sofrem com a violência extrema do lugar, vivem pedindo nas ruas; enfim, são carentes de tudo e "de amor também...*
beijinhos, da Mery*
Gosto de ti demais.
Um fim de semana de muita Paz e alegrias.